Não
me espantava nada que, um dia, alguma entidade pública deste país, invocando a
similitude das situações, propusesse para este Sócrates o mesmo fim do seu homónimo
grego.
O
motivo é simples. O filósofo pariense tem um carisma insuperável no espectro da
política nacional, tornando praticamente impossível que alguém lhe fique
indiferente. Ao contrário de Pedro Passos Coelho que, por pior que nos faça,
nem odiado consegue ser, porque para isso é preciso ter-se uma personalidade
forte e uma aura que este claramente não tem (já Miguel Relvas...). O anterior
primeiro-ministro, com a sua maneira de ser, bipolariza, de forma única, os
sentimentos que lhe são dirigidos. Sócrates ou se ama ou se odeia.
Os que
o amam, fazem-no por razões que eu e a própria razão desconhecemos e nem queremos
que nos digam. Os que o odeiam, odeiam-no sobretudo por uma razão: medo. Puro e
simples, nada de muito complexo, medinho.
Sócrates
provoca calafrios a uma certa ala da população portuguesa. Passados dois anos
do seu abandono do país, decide falar à nação e tem mais audiência que as
entrevistas do primeiro-ministro e do ministro das finanças juntas, e com um bónus:
ontem ninguém adormeceu. Como fazê-lo? Goste-se ou não, o estilo é vibrante. Os
jornalistas, na sua mão, transformam-se em meros joguetes acessórios. Os mais cépticos
tornam-se crentes. E uma mera entrevista torna-se um comício, como que por magia.
Ontem,
antes, durante e pouco depois do ex secretário-geral do PS falar, as redes sociais
tiveram um “boom” de comentários sobre o assunto, quase todos eles feitos pelos
seus detratores. Tive amigos que estiveram mais activos no facebook do que o Presidente
da República em tempos de crise (por falar nisso, estou muito ansioso pelo seu
próximo prefácio). Vi a entrevista com um deles. Ele estava tão nervoso que me
senti forçado dar-lhe a mão, apenas para o pobre coitado conseguir aguentar ver
aquilo ate ao fim. Que suplício.
No fim
tremia e garantia-me que sabia que ele tinha planos secretos que não revelava. Queria
a presidência, queria São Bento de novo, queria a Câmara de Faro e a Junta de
estarreja. Queria o lugar dele na empresa, as chaves do carro para dar uma
volta e o mail da namorada para a adicionar ao facebook. Abracei-o, garanti-lhe
que estava tudo bem, que ele tinha dito que não queria nada. Foi em vão. Garantiu-me que tinha visto nos seus olhos que ele queria tudo aquilo e mais
uma ou outra coisa que não revelava, para que não achassem que era louco. Reconfortei-o
e limpei-lhe o suor que escorria, em bica, da testa.
O
terror que a personagem inspira é de tal ordem que, dizem, na Lapa há mães
que se servem dele para ameaçar os seus rebentos e levá-los a comer: “Be’nardo,
coma a sopa toda, ó vem aí o Sócras out’a vez”, e é ver os petizes pegarem na
terrina de asa dupla, com ambas as mãos, sem cautela, sorvendo a Vichyssoise com
sofreguidão e maneiras que faziam corar qualquer Paula Bobone. O respeitinho é
uma coisa muito bonita. O medo é uma coisa muito séria.
Este
medo é ainda maior uma vez que, sendo véspera de Páscoa, os que contavam com uma
cruxificação pública vão ter que se contentar com as imagens que chegam das
Filipinas. Em termos religiosos, aquilo a que assistimos ontem foi algo entre
um lavar de mãos à Pôncio Pilatos e uma ressureição, ainda mais impressionante
que a original, porque desta vez não passaram três dias, mas sim dois anos
desde o presumível óbito.
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